Letras do Brasil

Em 1968, as diferenças ideológicas entre os estudantes da USP e do Mackenzie explodiram no centro da cidade. Depois de 45 anos do episódio, conhecido como Batalha da Rua Maria Antônia, o fotógrafo Jacques Lepine refez o trajeto dos principais locais do conflito e os fotografou obedecendo os mesmos ângulos clicados pelos fotógrafos do Estado que cobriram o evento.

 
Da escadaria por onde hoje passam os estudantes, em 1968 foram jogadas pedras
e outros objetos no conflito 
O resultado foram duas histórias contadas pelo mesmo ângulo na série de fotomontagens publicadas aqui. A Maria Antônia de hoje nada lembra a efervescência política que o País vivia durante a ditadura militar e da qual foi uma das principais testemunhas.Ocorrido em 3 de outubro de 1968, a luta campal entre estudantes, deixou vários feridos e um morto, o estudante José Guimarães, de 16 anos, atingido por um tiro na cabeça. 

 
Estudante observa a batalha da janela do 3° andar da Faculdade de Filosofia.
Do outro lado os estudantes do Mackenzie

Tudo começou de manhã, quando alunos do Mackenzie se revoltaram contra um pedágio instalado pelos alunos da USP para financiar o congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) e tentaram tirar algumas faixas expostas na frente do prédio da Filosofia. Segundo relato publicado pelo Estado, se instalou uma “verdadeira batalha de paus, pedradas tiros e bombas incendiárias’.

Do alto dos prédios ocupados pelos estudantes eram lançados no prédio da Filosofia “mechas embebidas em combustível”. A morte do estudante foi em torno das 15 horas, “no intenso conflito, entre os dois grupos, ouve-se um grito, e um rapaz caiu no chão. Era o secundarista José Guimarães, atingido por uma bala atrás da orelha”.

  
Fogos de artifício, coquetéis molotov, paus, pedras e armas de fogo foram usados no conflito.
Vista da rua no sentido da Consolação para a Avenida Higienópolis
No fim do dia, a rua charmosa que abriga ainda hoje a Universidade Mackenzie e abrigou a Faculdade de Filosofia da USP estava irreconhecível. O prédio da Filosofia ficou praticamente destruído.  ”A primeira impressão de quem visita o prédio (…) é a de que houve um grande incêndio. Vêem-se ali vidros quebrados, grandes manchas de fumaças (…) marcas de projéteis, papelada sobre a marquise e fios telefonicos rompidos”, relatou o repórter do Estado. No prédio da faculdade funciona hoje o Centro Universitário Maria Antônia. 

  
Policiais vigiam a segurança da Rua Maria Antônia, de frente a universidade Mackenzie.Brasil, São Paulo
Para apagar o incêndio dois carros dos Bombeiros despejaram 18 mil litros de água. No dia seguinte a Força Pública interditou a rua. Somente moradores tinham acesso.
  
José Arantes, vice-presidente da UNE atrás da camisa ensanguentada.
À esquerda, José Abreu, ator. À frente Eduardo Bonumá, de óculos e barba e ao seu lado, José Mentor
A morte do estudante foi anunciada do alto de um carro por José Dirceu, presidente da União Estadual dos Estudantes (UEE), “alguns estudantes não conseguiram conter o pranto, começando a passeata a movimentar-se em direção á Rua da Consolação – aos gritos de ‘assassinos, ditatoriais’”, relatou o Estado. A passeata prosseguiu pela Avenida Ipiranga e reuniu cerca de 500 manifestantes. Os manifestantes paravam em diversos pontos para fazer discursos.

    
Durante a passeata, José Dirceu, presidente da UEE, faz discurso

Durante a passeata vários carros da polícia foram queimados. Em alguns casos os policiais eram retirados dos veículos pelos manifestantes e diante da proporção da manifestação não reagiam. No largo do “Paiçandu (…) os manifestantes assaltaram mais uma viatura da Radio Patrulha. Os ocupantes chegaram a tentar reagir com suas armas mas desistiram. O carro foi tombado e incendiado”.

O conflito seguiu o dia inteiro. A manifestação só foi dispersada quando os estudantes tentaram voltar à Maria Antônia.

    
Kombi foi uma das diversas viaturas da polícia destruídas durante manifestação

Projeto Fotográfico.
A proximidade do aniversário da famosa batalha despertou o interesse de um morador daquela rua, o jornalista e fotógrafo Jacques Lepine. Redator do Banco de Imagens da Agência Estado, ele conhecia as clássicas imagens do confronto entre os estudantes da USP e do Mackenzie em 1968, e ao caminhar  por sua vizinhança começou a se perguntar quantas das pessoas que cruzam hoje aquelas calçadas conheceriam o histórico embate travado ali.

   
A camisa de José Guimarães é mostrada em frente a galeria da Av. São João,
onde hoje abriga  a famosa Galeria do Rock

A maior dificuldade para realizar o projeto, é justamente o que garante a beleza do produto final, a precisão do ângulo. “Foram três dias fotografando as mesmas cenas do ângulo exato da foto original”, conta Lepine, “era necessário acertar a altura, ângulo e inclinação exatos, isso sem contar as diferenças de distorção do equipamento objetivo usado na época e o que usei para o trabalho.

Fotos: Jacques Lepine e Acervo Estadão

Fonte: http://acervo.estadao.com.br/noticias/acervo,maria-antonia-duas-historias-no-mesmo-angulo,9305,0.htm

Saiba mais lendo o livro: Maria Antônia, a História de Uma Guerra